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Para onde o ENEM me leva: a universidade pública que abre portas

  • 24 de set.
  • 6 min de leitura

Jovem Universitária em manifesto pela universidade pública, segurando a bandeira do Brasil
UnB (Arquivo) - Foto: Alexandra Martins

Lembro-me com uma clareza quase palpável da ansiedade que antecedia o resultado do ENEM. Aquele misto de medo e esperança que nos roubava o sono e nos fazia atualizar a página do Sisu de minuto em minuto. Era mais do que uma nota; era a materialização de anos de estudo, o sonho (muitas vezes silencioso) dos nossos pais, a promessa de um futuro que, até então, parecia distante, quase etéreo. Olhando para trás, vejo que aquela angústia era, na verdade, o prenúncio de uma das transformações mais profundas da minha vida. Em um mundo que tantas vezes nos empurra para o cinismo, quero hoje partilhar com vocês a minha convicção, forjada na experiência, de que apostar na universidade pública brasileira é o ato mais revolucionário e esperançoso que podemos fazer por nós mesmos e pelo nosso país.


A Travessia: Para onde o ENEM me leva ?


Antes de pisar no campus, existe um rito de passagem coletivo que une milhões de jovens brasileiros. O ENEM. É curioso como uma prova consegue carregar tanto simbolismo. Para muitos, ela é a primeira grande batalha travada de forma consciente, a primeira vez que o futuro parece depender unicamente do nosso esforço. Lembro das salas de cursinho cheias, dos professores que eram quase gurus, da solidariedade silenciosa entre concorrentes que, no fundo, só queriam a mesma coisa: uma chance.

Essa prova, com todas as suas complexidades e a pressão que a cerca, representa um pilar democrático fundamental. Ela é a porta de entrada que, ao menos em tese, busca colocar em pé de igualdade o jovem da capital e o do interior, o estudante da escola particular e o da pública. É o sistema dizendo: "Seu conhecimento e sua dedicação importam". E quando aquele "aprovado" finalmente ilumina a tela, e a resposta para a questão: "Para onde o ENEM me leva?" é respondida, a sensação não é apenas de alívio, mas de pertencimento. Você não ganhou na loteria; você conquistou seu lugar. É um momento que redefine nossa autopercepção, a primeira prova de que somos capazes de feitos grandiosos. É a humanidade em sua essência: a superação através do esforço do intelecto.


Um Universo em Expansão: O Choque do Primeiro Período


Nada te prepara para o impacto dos primeiros meses na universidade. Sair de uma estrutura escolar rígida e mergulhar em um oceano de autonomia e conhecimento é avassalador. Lembro-me de caminhar pelo campus, olhando os prédios dos mais diversos institutos – Letras, Física, Oceanografia, Artes Cênicas – e sentir-me como um explorador em um continente desconhecido. A grade horária, antes imposta, agora era um quebra-cabeça que eu mesmo montava. As leituras não eram mais resumos; eram obras densas, que exigiam debate, reflexão e, muitas vezes, a humildade de admitir que não se sabe tudo.

É nesse momento que a verdadeira educação acontece. Ela transcende o conteúdo técnico da sua área. A universidade pública te ensina a pensar. Você aprende a questionar, a duvidar das certezas, a construir um argumento com base em evidências, a defender suas ideias com paixão e a ouvir com respeito quem discorda de você. Aquele problema de cálculo que parecia impossível não era apenas sobre números; era sobre resiliência, sobre encontrar novos caminhos quando o primeiro falha. A análise de um texto complexo de filosofia não era apenas sobre entender o que um autor disse há séculos; era sobre desenvolver empatia e compreender a condição humana. São essas habilidades, forjadas no dia a dia acadêmico, que nos preparam não para uma profissão, mas para a vida e seus desafios imprevisíveis.


Mais que Colegas, uma Família Escolhida: A Força da Comunidade


Se a liberdade intelectual é um dos pilares da universidade, o outro é, sem dúvida, a comunidade. A solidão inicial do "calouro perdido" rapidamente dá lugar a um sentimento de pertencimento que eu jamais havia experimentado. A universidade é um lugar de encontro de almas. É ali, nos grupos de estudo que varam a madrugada, na fila do bandejão, nos debates acalorados do centro acadêmico ou na organização de uma festa, que você encontra sua tribo. Pessoas de todos os cantos do Brasil, com sotaques, vivências e visões de mundo completamente diferentes das suas, mas que compartilham a mesma fome de conhecimento e a mesma vontade de mudar o mundo.

Essa rede de apoio é fundamental. É o amigo que te explica aquela matéria que você não entendeu, a veterana que te empresta os livros, o professor que te incentiva a aplicar para uma bolsa de iniciação científica. É um ecossistema de colaboração que nos ensina, na prática, que ninguém cresce sozinho. As amizades que nascem ali são forjadas em um período de intensa transformação pessoal e intelectual, criando laços que, garanto, duram para sempre. Essa comunidade é a prova viva de que, apesar de nossas diferenças, somos capazes de construir juntos, de nos apoiar e de celebrar as conquistas uns dos outros. É um microcosmo de uma sociedade ideal, baseada no respeito mútuo e na inteligência coletiva.


Onde o Futuro Acontece: A Ciência como Farol


Muitas vezes, consumidos por um noticiário que valoriza o efêmero, esquecemos de celebrar os verdadeiros heróis nacionais. E uma parcela enorme deles está dentro das nossas universidades públicas. É preciso dizer com todas as letras: mais de 95% da ciência brasileira, aquela que salva vidas, que impulsiona nossa economia e que busca soluções para os maiores dilemas da humanidade, nasce e cresce nos corredores e laboratórios dessas instituições.

Quando vemos a notícia de que a UFMG desenvolveu a Calixcoca (1), a primeira vacina do mundo contra a dependência de cocaína e crack, isso não é apenas uma manchete. É o resultado de décadas de pesquisa, de investimento público, de noites em claro de cientistas que acreditaram no impossível. É a esperança para milhões de famílias. Quando um medicamento inovador como o Vonau Flash (2), criado na USP, facilita a vida de pacientes em tratamento quimioterápico, isso é a ciência brasileira cumprindo seu papel social. Fazer parte desse ambiente é sentir um orgulho profundo. É saber que o seu esforço, mesmo que indireto, como aluno de um curso de Humanas que participa de um debate que afia a mente de um futuro cientista, contribui para essa engrenagem poderosa. A universidade é a prova de que somos uma nação com uma capacidade intelectual extraordinária, capaz de liderar a vanguarda do conhecimento mundial.


A Vida Além do Diploma: A Riqueza da Universalidade


A grande beleza da universidade pública é que ela te permite ser múltiplo. A formação é integral, humana. Lembro-me, como estudante de Belas Artes, de me inscrever e participar de um grupo de estudos sobre engenharia mecânica, proposto por um professor em sua pesquisa sobre engenharia criativa (3). Tinha colegas da Engenharia que tocavam na orquestra da universidade e amigos da Medicina que faziam parte do time de rugby.

Essa é a universalidade em prática. A universidade entende que um bom engenheiro também se beneficia da sensibilidade da arte, que um médico se torna mais humano ao compreender outras culturas e que um advogado se aprimora ao aprender os fundamentos da economia. Você tem acesso a cinemas, teatros, museus, complexos esportivos e uma gama de cursos de extensão, muitas vezes gratuitos, que te permitem explorar paixões e desenvolver talentos que você nem sabia que possuía. Essa experiência holística não apenas enriquece o currículo; ela enriquece a alma. Ela nos transforma em cidadãos mais cultos, mais curiosos e mais conectados com a complexidade do mundo.


Ao final dessa jornada, o diploma é quase uma consequência. O que realmente levamos é a transformação interna. Entramos jovens, cheios de sonhos e incertezas. Saímos adultos, com a mente expandida, com uma capacidade crítica afiada, com uma rede de afetos para a vida toda e com a certeza de que somos parte de algo muito maior. Em um tempo que nos convida ao individualismo, a universidade pública nos lembra do poder do coletivo. Ela é um ato de fé diário na humanidade, no conhecimento e na nossa incrível capacidade de, juntos, construirmos um futuro mais brilhante. Se você está nessa encruzilhada, sentindo a mesma ansiedade que eu senti um dia, meu conselho é um só: mergulhe de cabeça. A travessia vale cada segundo.


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