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A Mente de Milton Nascimento: Desvendando a Biologia da Demência com Corpos de Lewy

  • 2 de out.
  • 3 min de leitura
Foto de Milton Nascimento. Instagram/Divuldação

A notícia de que Milton Nascimento, uma das vozes mais emblemáticas e alma da música brasileira, foi diagnosticado com Demência com Corpos de Lewy (DCL) tocou o coração do país. O anúncio, feito por seu filho, nos convida a ir além da admiração pelo artista e buscar a compreensão pelo ser humano que enfrenta uma das condições neurodegenerativas mais complexas conhecidas pela ciência. Para honrar seu legado de profundidade e sensibilidade, precisamos entender o que acontece no cérebro de uma pessoa com DCL. Esta não é uma história sobre perda, mas uma jornada pela biologia celular do cérebro, pelos caminhos sinápticos da memória e do movimento, e pela resiliência do espírito humano diante de um desafio neurológico formidável.


O Vilão Microscópico: O que é um "Corpo de Lewy"?


O nome da doença vem de sua principal característica patológica: os "corpos de Lewy", descobertos pelo neurologista Friedrich Lewy em 1912. Mas o que são eles? São agregados anormais, ou "grumos", de uma proteína chamada alfa-sinucleína que se formam dentro dos neurônios, as células cerebrais.


A alfa-sinucleína é uma proteína que todos nós temos. Em um cérebro saudável, ela está presente nos terminais pré-sinápticos dos neurônios e acredita-se que desempenhe um papel na regulação da liberação de neurotransmissores, como a dopamina, que são essenciais para a comunicação entre as células cerebrais. Por razões que a ciência ainda investiga intensamente, em pessoas com DCL e Doença de Parkinson, essa proteína começa a se "dobrar" de forma errada (misfolding). Uma vez que uma proteína se dobra erroneamente, ela se torna "pegajosa" e atrai outras proteínas de alfa-sinucleína para formar esses acúmulos tóxicos — os corpos de Lewy.


Imagine o interior de um neurônio como uma cidade complexa e movimentada. Os corpos de Lewy são como bloqueios de tráfego disfuncionais que se acumulam, impedindo o transporte de materiais essenciais, danificando as mitocôndrias (as usinas de energia da célula) e, por fim, levando à morte do neurônio.


A Ponte entre Alzheimer e Parkinson: O Ataque em Duas Frentes


A Demência com Corpos de Lewy é frequentemente descrita como uma doença que fica em uma encruzilhada neurológica, compartilhando características tanto da Doença de Alzheimer quanto da Doença de Parkinson. A localização dos corpos de Lewy no cérebro determina a natureza dos sintomas.


  1. A Frente Parkinsoniana (Ataque ao Tronco Cerebral): Em uma região profunda do cérebro chamada substância negra, os corpos de Lewy destroem os neurônios que produzem dopamina. A dopamina é um neurotransmissor crucial para o controle dos movimentos voluntários. A morte dessas células é a marca registrada da Doença de Parkinson e explica por que os pacientes com DCL desenvolvem sintomas motores, como rigidez muscular, lentidão de movimentos (bradicinesia), tremores em repouso e problemas de equilíbrio e marcha.

  2. A Frente Cognitiva (Ataque ao Córtex Cerebral): Diferentemente do Parkinson, na DCL, os corpos de Lewy também se espalham extensivamente por todo o córtex cerebral — a camada externa do cérebro responsável pelo pensamento, linguagem, memória e percepção. A presença desses agregados tóxicos no córtex interrompe as redes neurais e causa os sintomas cognitivos e psiquiátricos da doença. Além dos corpos de Lewy, é comum que o cérebro de pacientes com DCL também apresente as placas beta-amiloide, que são características do Alzheimer, tornando o diagnóstico ainda mais complexo.


Os Sintomas Reveladores: Da Biologia à Experiência Humana


A biologia da DCL se manifesta em um conjunto de sintomas muito particular e desafiador:


  • Cognição Flutuante: A interrupção generalizada das redes neurais pelo córtex explica por que os níveis de atenção e alerta podem variar drasticamente, até mesmo ao longo de um único dia. O paciente pode ter momentos de clareza seguidos por períodos de confusão, sonolência ou olhar vago.

  • Alucinações Visuais Recorrentes: Uma das características mais distintivas da DCL. Acredita-se que a disfunção nas áreas de processamento visual do córtex, combinada com desequilíbrios de neurotransmissores, leve o cérebro a "criar" imagens que não estão lá. Essas alucinações são frequentemente vívidas e detalhadas.

  • Transtorno Comportamental do Sono REM: Durante o sono REM (Rapid Eye Movement), nosso corpo normalmente fica paralisado para não encenarmos nossos sonhos. Na DCL, essa paralisia falha, e o paciente pode falar, gritar, socar e se mover vigorosamente durante os sonhos. Este pode ser um dos primeiros sinais da doença, surgindo anos antes dos sintomas cognitivos e motores.


Eterno Milton Nascimento


Entender a biologia por trás da DCL é um ato de empatia. Nos permite compreender que os desafios enfrentados por Milton Nascimento e sua família não são falhas de caráter ou memória, mas sim o resultado de um processo celular complexo e implacável. A ciência ainda não tem a cura, mas o conhecimento nos dá as ferramentas para oferecer suporte, dignidade e, acima de tudo, para celebrar a música e a vida que continuam a ecoar, mesmo quando a mente enfrenta seus maiores desafios.

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